“Vou mostrar-vos o meu Cristo. Não é verdade que é muito belo? Mas, claro, falta-lhe o braço direito, o esquerdo está mal seguro no ombro e a mão partida por ter sido arrancada violentamente do cravo. Também lhe falta a perna direita, cortada por meio da coxa. Conserva a esquerda, mas colada à pressa e sem cuidado. E, além do mais, está sem cara. Partiram-lha totalmente. Cristo sem rosto. Cristo anónimo. Cristo fantasma. É, porém, muito belo, não é? Ainda que muito triste.
-Não me restaures.
-Porque não queres que te restaure? Não compreendes, Senhor, que será para mim uma constante dor ver-te partido e mutilado, cada vez que te olhar? Não compreendes que sinto dó?
-É isso que quero: que vendo-me partido, te lembres de tantos irmãos que convivem contigo, ignorados e distantes, e que estão, como Eu, partidos, esmagados, indigentes, oprimidos, doentes, mutilados… Sem braços, porque não têm possibilidades nem meios de trabalho; sem pés, porque lhes bloquearam os caminhos e não podem dar um passo em frente na vida; sem cara, por que lhes roubaram a honra, o mérito, o prestígio. Todos os esquecem e lhes voltam as costas… Não me restaures! Talvez que, vendo-me assim, te sirva de lição para a dor dos demais”.
(Retirado do livro “O meu Cristo Partido” de Ramón Cué, da Editorial Perpétuo Socorro)