Li pela primeira vez Shusaku Enzo há uns 10 anos… talvez mais… e o que li primeiro é um dos livros que aqui sugiro: Rio Profundo. Como tudo no autor é um livro muito humano que nos fala do mais frágil que há em nós. Em Rio Profundo, Shusaku Endo conta-nos a história de um homem, budista, que enviuvou recentemente. Nesse espaço/tempo de vazio faz o que consegue. Não me parece que, pelo menos ao início consiga agir, parece-me que só consegue reagir. E age (reage) no sentido de a tudo dar sentido e inicia uma viagem à Índia à procura da origem, das raízes, melhor dizendo, do budismo.
Esta viagem, muito bem descrita, acaba por ser só aparentemente exterior, porque na verdade a verdadeira viagem é interior. É a viagem pelo sofrimento, pelo vazio da perda, pela busca de sentido na ausência de qualquer racionalização possível. É uma viagem ao que faz de nós mais humanos e à forma como lidamos com uma realidade que muitas vezes procuramos esquecer ou mascarar, talvez até amputar das nossas vidas: o silêncio… o silêncio de quando nada nos ampara, nada nos consola, nada nos indica uma direção. O silêncio profundo e angustiante do vazio que resta na ausência da voz de Deus.
Este sofrimento vai ser tanto maior quanto maior a intimidade que tenhamos com Deus. É disso que nos fala Shusaku Endo no livro Silêncio. O autor como japonês e católico sempre se interessou por esta fase da historia do Japão, desde a chegada dos primeiro missionários, passando pela evangelização e crescimento das primeiras comunidades até à perseguição sistemática de todos os convertidos e a forma como foram martirizados, uma perseguição motivada, não por razões ideológicas ou filosóficas ou religiosas mas sim por razões sociológicas. A sociedade japonesa de então era muito estruturada e hierarquizada e o batismo torna-nos todos iguais. Esta revolução abalou e assustou a classe governante, no caso, o Shogun, O todo poderoso nobre que governa em nome do imperador.
Neste contexto social e humano, Shusaku Endo não nos apresenta homens perfeitos. Mostra-nos homens que em tudo o são, até nas fragilidades. Se calhar, principalmente nas fragilidades.
Este livro eu ainda não tinha lido. Comecei há pouco por sugestão de um amigo. E estou a encontrar este desejo de profundidade do autor, esta ânsia da busca de Deus mesmo na sua ausência, principalmente na sua ausência.
O que têm de maravilhoso os livros é o poder extraordinário de nos tocar a todos, de nos sensibilizar de forma diferente, de nos transportar para mundos que não são já só do autor mas que pertencem a ambos: ao leitor e ao autor. Tendo isto em conta espero que nos toquem estes dois livros e que nos ajudem a ter a capacidade de reconhecer e olhar de frente os nossos silêncios.
Espero que nos encontremos nesses silêncios que Deus preenche porque também habita neles…
António Canto